
ECONOMIA SLOW
Economia de proximidade
As grandes crises mundiais (anos 20 e 80 do século passado, por exemplo, ou os "crashes financeiros" que começaram no início deste século) têm origem na capacidade que fomos dando ao dinheiro para gerir as nossas vidas, tornando-se demasiado presente a questão do materialismo, da vida corporal e também das fraquezas humanas, onde se sublinha a questão do poder.
Nos anos 80 acrescentou-se a variável da "criação" do dinheiro através de meios informáticos, passando este a a não estar exclusivamente ligado à produção e troca de bens e serviços.
Passou-se então a um estado de "magia", num mundo totalmente desfasado de uma realidade natural (uma realidade humana, física e palpável), para uma "realidade paralela" em que o simples facto de se gerar dinheiro por "zeros e uns", fazia com que tudo fosse, virtualmente, possível.
Deixamos, assim, de ter qualquer correlação entre economia real e economia financeira.
Isto traz uma disrupção social, com uma insustentabilidade criada pelo vazio, e uma grande falta de capacidade de encontrar um equilíbrio entre os vários elementos de uma comunidade, dividida entre os que conseguem ter acesso à "magia da economia financeira" e aos que dependem exclusivamente da "economia real". Mas, no fundo, todos escravos do “verdadeiro senhor virtual”: o dinheiro.
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Este sistema tem entrado gradualmente numa falência profunda, onde a nossa estrutura social já não consegue dar resposta e os valores aparentemente adquiridos estão a ser permanentemente postos em causa. Consequentemente, as grandes instituições entraram numa guerra de disputa de poder. Um poder virtual, mas que, por força do nosso envolvimento no sistema, permitimos que se torne uma influência real nas vidas de cada um de nós. Um poder virtual em que, mesmo os indivíduos que pensam que o detêm, já não são verdadeiramente "donos de si próprios".
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Mas há pessoas que já começam a despertar para esta realidade e as últimas duas décadas têm sido muito profícuas em iniciativas que pretendem "dar a volta" e reencontrar formas de regressar a uma economia real. Isto passa, necessariamente, pelo que gosto de chamar de "economia de proximidade", por se tratar de iniciativas baseadas em valores humanos e de regresso à vida natural, aos ciclos sazonais que a Natureza nos transmite e que nunca deixaram de estar aqui.
De acordo com as palavras do Emídio Ferra, para se regressar a esta economia real,
"Os ciclos económicos têm de estar em paridade com os ciclos naturais."
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Aqui entram também os valores do movimento do decrescimento, em que há que parar para pensar e dar um (ou mais) passos atrás.
E dar passos atrás não significa entrar em rotura com tudo o que existe nos sistemas das sociedades atuais e voltar à "idade do Homem das Cavernas". Significa permitir que os valores dos ciclos naturais, a sabedoria inata da Mãe Terra, da Natureza e dos seus ecossistemas, regressem à consciência da humanidade e, com as ferramentas que fomos inventando ao longo das últimas décadas, criar um novo rumo para esta tarefa tão simples como gigantescaque é Gerir a Casa Comum.
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simples porque basta um livro com duas colunas: a do "deve" e a do "haver"
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e gigantesca porque hoje em dia temos o grande desafio de mudar, a partir de ações locais (e até mesmo individuais), o que se tornou global.
Acho importante recordar aqui que a palavra "economia" vem da junção do grego oikos (casa) e do sufixo nomia (ou nomos, do grego), que exprime regras ou leis. Ou seja, Economia significa, literalmente, Gerir a Casa. E, para gerirmos a nossa Casa-Comum, precisamos de voltar a gerir a nossa própria casa (leia-se também comunidade, seja ela a família, o bairro, a vila, a cidade ou o país) de um modo mais real, mais próximo da nossa própria natureza. Ou seja, mais local e mais consciente.
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Há uma frase do movimento SlowMoney.org que diz “What would the world be like if we invested 50% of our assets within 50 miles of where we live?” Ou seja, como seria o mundo se 50% do investimento feito por cada um de nós fosse aplicado numa área de cerca de 80 km em nosso redor?
Esta forma de abordagem real da economia contribui para uma verdadeira economia de bem-estar.
Então, entre estas "novas ferramentas" e procura de novas respostas temos vários exemplos e conceitos que geram uma renovada "economia de bem-estar":
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as ferramentas da economia financeira (a banca ética, o micro-crédito, o financiamento de proximidade (como sejam as cooperativas, o crowdfunding, as moedas locais),
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as iniciativas de economia social (cuidando do outro, em equidade),
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e de economia solidária (integrando-me na sociedade com a consciência plena das minhas capacidades e dos meus limites, dos limites dos recursos a que tenho acesso para cumprir o meu papel na sociedade e do modo como me relaciono com as capacidades e os limites dos meus pares),
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as ideias da economia circular e a sua implementação nos diversos ramos de atividade humana (reduzindo o consumo e reaproveitando, com uma partilha ativa, todos os recursos utilizados na produção de bens).
Muita coisa que se fala hoje em dia cabe aqui e muito provavelmente muitas outras coisas novas, ainda por inventar, farão parte desta nova solução.
Mas, acima de tudo, é necessário trabalhar para tentar obter respostas sem a expectativa de resolver problemas num espaço de tempo demasiado curto nem resolver os problemas todos ao mesmo tempo.
Há necessidades prementes que necessitam de respostas rápidas, mas as grandes transformações têm o seu tempo para se instalarem de forma duradoura. Como todos os processos que dependem dos ritmos naturais.
E, lá diz o lema da Slow Movement [Raquel Tavares]: as coisas boas levam tempo!
Texto da autoria de Mariana Ley (Slow Movement Portugal), com base nas
Notas de uma reunião de preparação da Conversa Slow #11 com Emídio Ferra.
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Saiba mais...
... na Conversa Slow com o tema Economia Slow, com Emídio Ferra